quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

“Não quero ser silenciado”, diz aluno gay que usou salto em formatura

Se a escolha foi encarada com naturalidade por mãe e filho, na cerimônia, a sandália causou alvoroço e falatório
O gestou causou comentários na plateia, mas os amigos o pouparam ao não reproduzi-los ao jovem

Prestes a colar grau, no último dia 10, o formando de Relações Internacionais Gustavo Rodrigues Costa, de 21 anos, foi com a mãe comprar o calçado que usaria na cerimônia de encerramento de quatro anos de estudos longe de casa – ele mora em Cotia (Grande São Paulo), mas cursou a Unipampa (Universidade Federal do Pampa) em Santana do Livramento, no interior gaúcho. A escolha do adereço teve o aval da matriarca: um salto de 14 cm de altura e dourado. “Fiquei em dúvida, mas ela me disse: ‘Leva o dourado, que é mais bonito'”, conta. E assim foi.
Se a escolha foi encarada com naturalidade por mãe e filho, na cerimônia, a sandália causou alvoroço e falatório. Mas essa foi a forma que o jovem achou para chamar a atenção para a “invisibilidade forçada”, modo como ele se refere à própria sexualidade. Costa se assumiu gay no mesmo ano em que chegou à universidade, 2013.
O gestou causou comentários na plateia, mas os amigos o pouparam ao não reproduzi-los ao jovem. Ele, mesmo, só reparou “alguns olhares de estranheza”, fora o apoio que recebeu. Com as primeiras notícias sobre a colação de grau com salto, porém, vieram os primeiros comentários depreciativos e mais diretos.
“Caí no erro de ler esses comentários, e aí foi um choque de realidade. Li gente dizer que ‘faltou surra’ para mim, em casa, ou que me assumir gay em uma cerimônia dessas seria ‘falta de vergonha na cara’. Isso me dá uma tristeza, me dá medo, mas me dá também mais vontade de eu continuar fazendo coisas como essa para me defender e defender outros que não têm a mesma condição que eu”, definiu. “Mas eu não esperava que fosse ter essa repercussão toda.”
De acordo com o graduado em R.I., a inspiração para o protesto particular veio de outro formando também gay assumido: o estudante Talles de Oliveira Faria, 24, que se formou em engenharia da computação pelo ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), em São José dos Campos (SP). Na cerimônia, realizada em 17 de dezembro do ano passado, ele deixou de lado a tradicional beca e usou vestido vermelho, salto alto e maquiagem como protesto contra a homofobia que ele disse existir dentro da instituição.
“Ao longo da graduação, tivemos esse debate de que a formatura seria um espaço propício a protestos pacíficos como o meu. É importante tirar esse debate da sala de aula e levá-lo a praças, corredores, e a colação de grau teria esse impacto, ainda mais por se tratar de uma universidade pública”, disse. “O caso do Talles deu um empurrão grande –o considero um precursor e que me deu um ânimo maior para expressar o que eu sinto”, completou.
E Costa espera que o ato dele não seja o último. “Quero justamente estimular outras pessoas a tomar atitudes como essa e mostrar que a gente tem que dar voz a quaisquer minorias, justamente para que elas possam ocupar espaços que lhes são negados –seja nas cidades, na universidade, no mercado de trabalho. As pessoas não têm que falar pela gente: há quem queira falar por si. Eu não quero ser silenciado para sempre”, explicou.
Fonte: Uol

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